O cabo Heitor Sabadine desce o morro com um cobertor enrolado: "Uma heroína. Ficou este tempo todo embaixo de quilos de terra e sobreviveu. Uma heroína".
Nos braços, uma cadelinha. Pequena, imunda, levada às pressas para o hospital de campanha. Uma alegria, suficiente para revigorar as esperanças e energias da equipe. "Depois de encontrarmos tantos corpos, achamos uma vida", comemoram.
As casas que não foram afetadas pelo grande deslizamento de terra no Morro do Bumba, no Viçoso Jardim, em Niterói, estão interditadas pela Defesa Civil e Corpo de Bombeiros, e os moradores tivem que se retirar às pressas. Mas se engana quem pensa que o local está totalmente vazio. Em uma residência no alto do morro, vive, ou melhor, sobrevive, a cadela Cíntia, mestiça das raças rottweiler com pastor alemão. Ela foi deixada lá pelo dono, o pedreiro Gilberto Gomes, de 40 anos. "Eu tive que deixar a cachorra na minha casa. Ela é de grande porte, não tenho para onde levar", explica Gilberto.
Cíntia, no entanto, não está abandonada. O pedreiro, que está abrigado no Colégio Estadual Machado de Assis, sobe o morro todos os dias para deixar comida e água para a "filha".
"Como morava no Bumba há 23 anos, conheço vários atalhos e trilhas. Desse jeito, já subi algumas vezes para deixar ração e água para ela", conta.
Gilberto não teme pela segurança da cachorra caso o Morro do Bumba sofra um novo desmoronamento. Segundo ele, Cíntia vai conseguir "se virar". "Ela está solta dentro de um quintal grande, com um muro baixo e que dá para uma área livre e segura. Se for ágil, consegue fugir", acredita. O pedreiro ainda usou seus conhecimentos da geografia da região também para resgatar a geladeira da sua casa, junto com o sobrinho, o porteiro Thiago Gomes, de 25 anos. Eles ainda planejam "salvar" outros móveis e esperam que a Prefeitura de Niterói não derrube as casas que restaram no morro.
"Não podem destruir tudo desse modo. Tenho muita coisa ainda por lá. Não são apenas bens materiais, mas foi tudo conquistado depois de muito trabalho e sacrifício - declara Gilberto Gomes. O pedreiro e toda a sua família, que também morava no Morro do Bumba, ainda não sabem como vão tocar a vida daqui para frente. Nem em que situação vai ficar a cadela Cíntia.
"Por enquanto, a cachorra tem que ficar na casa. Não sei como recomeçar. Tudo o que tenho está lá. As roupas que estou usando são de doações. É uma situação muito triste, perdi cerca de 20 pessoas queridas, entre amigos e crianças que vi crescer. Pelo menos eu e minha família estamos bem, graças a Deus. Agora estou esperando uma resposta do governo para saber o que vou fazer", lamenta.
Fonte: SRZD
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