ALAMOGORDO, EUA - Flo, uma chimpanzé, passeia por sua jaula, joga uma bola de borracha e depois admira uma pimenta verde que será seu lanche esta manhã. Já faz muito tempo que Flo estava em exibição no zoológico de Memphis, e ainda mais tempo desde que aprendeu a fumar cigarros durante uma passagem por um circo. Mais recentemente, ela foi cobaia em testes relacionados à hepatite C e ao HIV. No momento, no entanto, ela está desempregada - mas talvez não por muito tempo.
Flo e outros 185 chimpanzés que moram no Centro de Primatas de Alamogordo, na Base Aérea de Holloman, não são usados como cobaias há quase um década, como parte de um acordo entre o Instituto Nacional de Saúde dos EUA (NIH, na sigla em inglês) e os militares, que proíbe o uso dos animais em testes biomédicos na base. Mas, recentemente, o instituto decidiu que queria usar a colônia de chimpanzés em pesquisas médicas novamente, principalmente no desenvolvimento de uma vacina contra a hepatite C. Em junho, alguns dos animais foram enviados em caminhões especiais para o Centro Nacional de Pesquisas com Primatas em San Antonio e os planos são de remover os demais chimpanzés até 2011.
A transferência detonou revolta entre os defensores dos direitos dos animais, especialistas em primatas e políticos, que dizem que os chimpanzés - muitos deles de meia idade e idosos - mereceriam passar o que resta de suas vidas em paz após anos dedicados a pesquisas invasivas. E também jogou nova luz no debate sobre o tênue limite entre ciência e ética, levantando vozes como a da lendária primatologista Jane Goodall e do governador do estado do Novo México, Bill Richardson.
- Esses chimpanzés deram sua liberdade, assim como seu habitat natural, seus corpos, sua saúde e seus filhos para as pesquisas - diz Laura Bonar, diretora do Programa de Proteção de Animais do Novo México, que quer transformar o centro de Alamogordo em um asilo para a aposentadoria dos macacos. - No fim de suas vidas, podemos devolver algo a eles - defende.
Para o NIH, porém, os chimpanzés são um recurso valioso. O acordo que proíbe seu uso em pesquisas foi firmado quando os macacos foram adquiridos da Fundação Coulston, um infame laboratório de pesquisas no estado que agentes federais descobriram que abusava e maltratava os animais. Em 2001, o instituto fechou um contrato de 10 anos com um laboratório privado para cuidar da saúde deles, muitos infectados ou expostos a doenças como a própria hepatite C e o HIV, vírus causador da Aids, nas pesquisas. Atualmente, chimpanzés como Flo, que aos 53 anos é uma das mais velhas em Alamogordo, passam seus dias em pequenos grupos distribuídos em domos geodésicos catando comida, balançando em suas estruturas e acenando para eventuais visitantes e entre si.
Harold Watson, que chefia o programa de pesquisas com chimpanzés no Centro Nacional de Recursos para Pesquisas, diz que, ao fim desse contrato, o certo é que os macacos voltem a ser usados em seu propósito original. A pesquisa - que provavelmente vai demandar a coleta periódica de amostras de sangue, biópsias do fígado e, em alguns casos, inoculação com o vírus da hepatite C - será bem monitorada, afirma:
- As pessoas têm uma imagem de macacos com eletrodos ligados diretamente em seus cérebros. Não é disso que estamos falando.
O histórico das pesquisas com primatas, no entanto, há muito desperta controvérsias. Por causa de sua proximidade genética com os seres humanos, os chimpanzés são considerados cobaias ideais nos estudos de várias doenças infecciosas ou distúrbios psicológicos que afetam a humanidade. Mas muitos questionam se estas pesquisas levaram a reais descobertas importantes, e os EUA atualmente são o único país desenvolvido que continua a usar o confinamento em larga escala de chimpanzés em laboratórios. Os defensores das pesquisas, por sua vez, afirmam que elas já deram sim muitas contribuições à ciência.
Ainda aguarda aprovação no Congresso americano o chamado Ato de Proteção dos Grandes Macacos, que levaria à aposentadoria de 500 chimpanzés pertencentes ao governo federal em santuários permanentes. O próprio centro de Alamogordo tem suas origens em experimentos conduzidos pela Força Aérea no fim dos anos 50. John Gluck, professor emérito de psicologia da Universidade do Novo México, visita a colônia da base desde os anos 70 e está preocupado com as consequências para saúde física e mental dos animais que uma possível mudança para San Antonio pode trazer, principalmente tendo em vista o "enorme preço" que eles já pagaram sendo cobaias em laboratórios como o da Fundação Coulston.
- O NIH, em geral, é um lugar de respeito, mas parece-me que eles perderam tanto sua bússola ética quanto a científica neste caso - diz.
Dan Frosch, do New York Times
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